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João Luiz Vieira

Só piora: mãe e filha são agredidas por serem confundidas com lésbicas

João Luiz Vieira

06/10/2017 13h09

Aconteceu, infelizmente, de novo, nesta semana. Uma mãe e uma filha foram agredidas em um shopping de Brasília porque, ao sair de uma sessão de cinema, estavam de mãos dadas. Um homem, supostamente de 50 anos, as "confundiu" com homossexuais e feriu o rosto da mulher. Não é um caso isolado, nem o primeiro, nem deve ser o último, como relataram algumas mães que se pronunciaram sobre o episódio nas redes sociais. O mais grave disso é o contexto onde ele está inserido.

Nos últimos meses, a onda conservadora que pretende rever conquistas das minorias subjugadas, ou seja, todos os indivíduos que não são homens heterossexuais cisgêneros e brancos, está mais influente, afoita e articulada. Há uma clara tentativa de interditar o livre arbítrio utilizando-se como artifício conceitos e dogmas (intencionalmente ou não) mal interpretados, especialmente os de teor religioso.

O que se pretende é impor uma verdade em detrimento de outras verdades e, outro ponto relevante, o movimento tem sido capitaneado por alguns servidores públicos, dos campos político e jurídico. Em outras palavras, profissionais que são pagos com nossos rendimentos estão tentando impor limites à livre expressão a partir do questionamento de responsabilidades dos adultos. Ao que parece, com intenções políticas muito nítidas.

Até a publicação deste texto, o deputado estadual João Leite (PSDB-MG) quer cancelar a mostra "Faça você mesmo sua Capela Sistina", que reúne obras do artista plástico Pedro Moraleida (1977-1999) no Palácio das Artes, em Belo Horizonte. Mostra já conferida por mais de 6 mil pessoas desde 1º de setembro. Sabe-se de ameaça a funcionários e da preocupação da equipe com o patrimônio. A Fundação Clóvis Salgado (FCS), que administra o espaço, lembrou que a exposição conta com uma placa indicando que o evento é destinado para maiores de 18 anos.

Esse mesmo deputado, que pede "respeito à religião das pessoas", tenta impedir a temporada de "O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu", que chegou à capital mineira, porque uma atriz travesti, Renata Carvalho, interpretava Jesus num monólogo. A peça da inglesa Jo Clifford, vale enfatizar, recria a história de Jesus como transexual e, por decisão de um juiz, foi proibida de ser apresentada em Jundiaí (SP), há poucas semanas.

No Rio de Janeiro, ainda nesta semana, houve cancelamento do espetáculo de teatro "Bicha Oca" (foto), com temática homossexual, e  da exposição fotográfica "Curto Circuito". Elas estavam programadas para serem expostas no "Mês da Diversidade", organizado pela Coordenadoria de Diversidade Sexual (Cdes) da Prefeitura do Rio de Janeiro, comandada por Marcelo Crivella, do PRB, braço político da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).

A coordenação do Centro Cultural Municipal Oduvaldo Vianna Filho – Castelinho do Flamengo – alegou que o lugar seria "interditado por tempo indeterminado devido a uma pane elétrica ocorrida na noite anterior". O coletivo FLSH, responsável pela mostra "Curto Circuito", e os atores da montagem se pronunciaram através das redes sociais e alegaram que não há quaisquer problemas elétricos.

Os produtores da mostra fotográfica também denunciaram o sumiço de imagens que fariam parte da exposição. "Identificamos também que algumas das nossas imagens, com conteúdo sobre nudez e sexualidade, foram retiradas das salas. Aguardamos o posicionamento da Prefeitura do Rio de Janeiro para esclarecer a situação, inclusive sobre o paradeiro das obras de arte". Até o ponto final desse texto não houve.

Há poucos meses, um juiz federal, Waldemar Cláudio de Carvalho, do Distrito Federal, liberou a atuação dos psicólogos para terapias de "reversão sexual". Pouco tempo antes, o artista paranaense Maikon Kempinski, conhecido como Maikon K, foi preso pela Polícia Militar do Distrito Federal por estar praticando "atentado ao pudor". Poucos dias depois, a exposição "Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira", no centro cultural de uma agência do banco Santander em Porto Alegre (RS), também foi cancelada. Alegaram "vilipêndio a valores cristãos", "estímulo à pedofilia e à zoofilia".

Na semana passada, a celeuma foi a decisão de uma mãe de deixar a filha de quatro anos interagir com o bailarino e coreógrafo Wagner Schwartz em uma performance no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM). Acusaram o museu de estímulo à pedofilia, a mãe de irresponsável e esqueceram dos limites entre o público e o privado. Fiz questão de relacionar os fatos porque há uma clara retroalimentação de ações e eles são moralmente interdependentes. Urge que a sociedade que defende o livre arbítrio se posicione, e não recue a cada pressão dos que defendem o contrário, ou melhor, os contrários.

 

Sobre o autor

João Luiz Vieira, 47, é jornalista, roteirista, letrista e educador sexual, ou sexólogo, como preferir. Ele tem dois livros lançados como coordenador de texto: “Sexo com Todas as Letras” (e-galáxia, fora de catálogo) e “Kama Sutra Brasileiro” (Editora Planeta, 176 páginas). É sócio proprietário do site paupraqualquerobra.com.br e tem um canal no YouTube: sexo_sem_medo.

Sobre o blog

No blog dialogo sobre tudo o que nos interessa para sermos melhores humanos: amor e sexo. Vamos encurtar o caminho entre a dúvida e a certeza, e quanto mais sabermos sobre nós, teremos, evidentemente, mais recursos e controle a respeito do que fazer em situações inéditas ou arriscadas de nossa intimidade. Trocaremos todas as interrogações por travessões. Abra seu cabeça, seu coração e... deixa pra lá.

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