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João Luiz Vieira

O ano foi difícil? Se valer como dica, felicidade também passa

João Luiz Vieira

18/12/2017 04h00

Comecei a sentir os sintomas no fim deste ano, talvez porque é época de Natal. Foi um bem-estar estranho. Uma vontade de ouvir samba. De ligar para uns parentes da adolescência. Uma ideia de compartilhar fotos de amigos. De cumprimentar todos os transeuntes. De perdoar quem fez escolhas erradas. Procurei meu médico imediatamente. O diagnóstico saiu nesta semana: "Você está feliz". Pior notícia não poderia ter ouvido depois de meses produzindo a partir de lágrimas de sangue, que são ótimas para criativos. Não sei você, mas sempre tive medo de pegar esse vírus da felicidade. O que ouvia a respeito era que as pessoas tinham sintomas muito parecidos, todos assustadores:

1. Gargalhavam (veja bem, não riam, gargalhavam) sobre o nada;

2. Passavam horas ouvindo desabafos alheios, sem se importar com o vampirismo;

3. Dançavam e, pior, cantavam pelas ruas quando ouviam qualquer música alegre com predominância de vogais ou que pregavam autoestima, incluindo Anitta ou Pabllo Vittar;

4. Voltavam a falar com detratores, perdoavam todo mundo;

5. Achavam que tudo poderia ser pior, entregavam tudo para Deus, Jesus ou Oxalá, mesmo contra a minha tese que, infelizmente, sempre precisamos de um pai, já que somos filhos de um "descobridor" ausente (Pedro Álvares Cabral) que assediou nossa mãe (a índia);

6. Fotografavam e publicavam o que ninguém sentia ou via, em redes sociais, tipo momentos felizes, certamente o vírus agindo em grau máximo no cérebro do paciente.

Fiquei assombrado com o diagnóstico. De repente, passaria a ser assim? Um otimista ignorante, como a maioria dos amantes cegos. Felicidade é ser meio cego? Fiquei desesperado com a ideia de dormir bem, comer bem, ser diplomático e não sentir mais dores. O que eu vou fazer com minha melancolia produtiva? Seria relegado a um plano onde as informações ou uma certa tentativa de entender os arredores não me chegariam mais? Ficarei à mercê do que me diriam pra fazer?

Comecei a ter tiques graves. Fazia um rango besta, uma macarronada com as sobras da geladeira, e de repente postava no Instagram. Feliz, veja você. Gostava do meu corte de cabelo novo e jogava no Facebook para contar quantos "tá lindo" escreveriam. Se fosse menos de cinco, aí, sim, eu poderia resgatar minha melancolia. Só que não. Gostavam, como se enfatizassem meu estado calamitoso.

Perguntei ao meu psiquiatra se estava na hora de jogar meus antidepressivos na privada. Não quero entrar nessa zona estranha, onde cicatrizes levam quilos de pancake e nosso sorriso vale mais que nossa lágrima. A má notícia, para você que passou por um 2017 difícil, é que essa doença pode durar alguns meses. Mas, juro, juro mesmo, que pretendo voltar a ser cético e melancólico já na Quarta-Feira de Cinzas. A boa notícia: felicidade não é doença crônica. Também passa.

Sobre o autor

João Luiz Vieira, 47, é jornalista, roteirista, letrista e educador sexual, ou sexólogo, como preferir. Ele tem dois livros lançados como coordenador de texto: “Sexo com Todas as Letras” (e-galáxia, fora de catálogo) e “Kama Sutra Brasileiro” (Editora Planeta, 176 páginas). É sócio proprietário do site paupraqualquerobra.com.br e tem um canal no YouTube: sexo_sem_medo.

Sobre o blog

No blog dialogo sobre tudo o que nos interessa para sermos melhores humanos: amor e sexo. Vamos encurtar o caminho entre a dúvida e a certeza, e quanto mais sabermos sobre nós, teremos, evidentemente, mais recursos e controle a respeito do que fazer em situações inéditas ou arriscadas de nossa intimidade. Trocaremos todas as interrogações por travessões. Abra seu cabeça, seu coração e... deixa pra lá.

João Luiz Vieira