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João Luiz Vieira

Ocimar Versolato: Fast fashion é modismo, alta-costura é estado de espírito

Universa

10/12/2017 14h55

Conheci Ocimar Versolato, que desencarnou ontem, há 12 anos. Trabalhava na Folha de S. Paulo e minha chefe à época, Mônica Bergamo, pediu para eu grudar nele. Grudei. Ele estava recomeçando a carreira no Brasil, envolveu-se em problemas com uma sócia, e sumiu. Nos reencontramos na noite, depois no dia, o convidei para uma longa entrevista para meu site, Pau Pra Qualquer Obra (tão extensa, que editei em três tempos), em 2015.

Como estamos migrando de servidor, o site está fora do ar, mas consegui recuperar nossa conversa. Está enorme, mas se gostava dele (ou não que, como eu, era nítido), vale entender o tamanho dessa inteligência. A última vez que nos falamos foi pelo Instagram. Elogiei sua boa forma, e ele, direto como eu, apenas agradeceu. É isso. Basta devolver o bem (ou o mal). Desculpa, senti a necessidade de (re)publicar no dia de sua viagem. Segue:

"Ocimar Versolato é um dos nomes mais importantes da moda brasileira. Mora em Milão, teve problemas com sua grife aqui no Brasil, isso ninguém nega, nem ele, mas uma coisa precisamos admitir: ele fez história antes mesmo de Francisco Costa, da Calvin Klein, surgir em nosso radar, especialmente em Paris. Pertinente ainda?

PPQO – O que você anda fazendo em Milão? Há quanto tempo está por aí? Onde vive e como vê a moda hoje?

Ocimar – Moro no centro de Milão, próximo ao Corso Venezia, há quatro anos, e estou trabalhando muito para ver se é possível, ou pelo menos tentar mudar, esse cenário chato que virou a moda. Sendo dirigida por diretores de empresas de congelados (e suas páginas de publicidade) no lugar do estilista ou criador (eu já havia falado disso na época que estava na Lanvin).

Pelo jeito temos de deixar as coisas tomarem seu próprio rumo e só lamentarmos. Hoje as jornalistas percebem que perderam o poder, assim como o estilista, e quem manda hoje na moda é o dinheiro (por incrível que possa parecer, não era assim). Triste realidade, e chata também. A França é quem sofre muito mais – tem que continuar criando –, a Itália tem sua forma própria de fazer e distribuir moda. E aí a coisa fica difícil.

Os novos estão acuados num canto esperando serem atacados pelos grupos, e os grupos pegam estilistas pouco criativos, sem muita coisa a agregar, mas que são amigos de algumas jornalistas. E aí vem o marketing e a direção das casas de moda e pronto, a catástrofe está anunciada. Não tem coisa mais chata que Marc Jacobs para Louis Vuitton. Deveriam montar um brechó no lugar de lançar coleções.

Chanel nem se fala. A receita é tão velha quanto o próprio Karl (Lagerfeld). A Dior que nunca teve muita personalidade. Agora vai ficar bebendo água de rio que secou. Lanvin com (Alber) Elbaz que não faz parte de nenhum grupo e a que se deu melhor. Ah! se eu tivesse tido a sorte dele de pegar um presidente e um proprietário inteligente que esperaram o tempo suficiente para dar certo!

Gaultier continua brincando de fazer moda, se autorreciclando. Hermès com Cristophe Lemarie vai continuar sem expressão. Se com Gaultier não conseguiu, com o Lemaire eles vão fazer o melhor cashmere do mundo – realmente estamos precisando disso? Saint Laurent com Slimane – ele é bom e tem talento, talvez não para Saint Laurent.

Mas tem muita gente boa e interessante na moda, Os novos precisam de talento e armas para poder lutar contra a mediocridade generalizada e confirmada pela internet, onde qualquer cafoninha cyber se acha com direito de falar sobre moda.

PPQO – Por que saiu do Brasil?

Ocimar – Sinto-me muito mais à vontade aqui.

PPQO – Brasil, aliás, nunca mais? Foi muito traumático?

Ocimar – O Brasil sempre! Mas de maneira diferente. Não tenho trauma, estou criando da minha maneira, de fazer "moda". Nunca me interessou o que já existe, e no Brasil as pessoas e as empresas só gostam do que já existe. Eles têm pavor do novo, medo do que não conhecem. Então que fiquem aí curtindo o que já foi feito, e fazendo suas viagens duas vezes por ano para ver o que está sendo feito aqui na Europa. Eu prefiro fazer algo que as pessoas venham ver.'Se você acha que alta-costura é cara, não é ela que tem um problema, e sim você', diz Ocimar Versolato.

PPQO – A alta-costura ainda faz sentido nesse mundo de fast fashion?

Ocimar – O fast fashion é um modismo, e como tal, daqui a pouco passa ou se transforma. A alta-costura é um estado de espirito, então enquanto houver pessoas elegantes que conseguem elevar seu conhecimento e sofisticação, ela vai existir. O bom é que no mundo existem grupos formados por pessoas realmente sofisticadas e cultas, que não gostam de se expor na mídia, usando roupas exclusivas que sequer são desfiladas – pode ser mais chique?

A exposição virou uma coisa um pouco vulgar no mundo. A descoberta de assessor de imprensa por pessoas sem noção que não são nada!

Comprometeu muito a imprensa, as noticias de fast-celebrities, e aí vem a internet de novo e compacta a miséria e a embala. Por isso…viva a Alta-Costura.

PPQO – Quem, de fato, faz alta-costura hoje?

Ocimar – Tem poucos que fazem e é melhor assim. Tem de ser feito e tratado como uma joia, e para isso tem que ter a alma alta-costura. Não precisa ser velho e nem andar de terno, mas ser uma pessoa sofisticada, culta, interessante, com personalidade e estilo próprio. Tem de agregar à roupa. Não é só um monte de tecido amarrado e costurado, por isso poucas clientes merecem e poucos estilistas podem fazer.

O costureiro tem de conhecer a técnica de fazer roupa, senão pode virar a coleção de alta-costura Dior feita por Raf Simons, que e ótimo em masculino e fazendo roupa para lesbica chic (que no fundo é a mesma coisa). Mas alta-costura é de chorar de rir.

Coitadas das costureiras tendo de fazer aquele festival de horror, os sem-noção aplaudem e a imprensa fica quieta. Senão não é chamada e não assiste mais desfile do grupo, como foi feito com Suzy Menkes, quando criticou o desfile da Dior com o Galiano- teve de se retratar e fazer comentários sem graça.

Mas ainda bem que temos a internet e todas as cyber-fashion do mundo podem ficar deslumbradas à vontade. Quem sabe no próximo desfile elas ganham um convite. Isso é alta-costura?

PPQO – Por que ela é tão cara? Quem ainda compra?

Ocimar – Compra quem não acha ela cara. Se você acha que ela é cara, não é ela que tem um problema, e sim você. O valor de algo não se mede ao que você pode ou não ter. É muito simplista.

PPQO – O que faz ela ter esse valor?

Ocimar – O preço corresponde praticamente ao trabalho feito, tempo de mão-de obra. Isso é o que deixam as peças caras, pois existe todo um trabalho de preparação e depois de execução que não é pouco, e a mão-de-obra é especializada e muito específica. Tudo isso conta, e mais o talento de quem criou, que passou horas ou dias ajustando tudo para que a roupa ficasse perfeita. Ninguém economiza nem em ideia e nem em desejo. Tudo é muito generoso, por isso o preço é apenas um detalhe.

PPQO – Você vem acompanhando a moda brasileira? Alguém ou alguma coisa chama sua atenção?

Ocimar – Não, nunca acompanhei. Para falar a verdade, é uma coisa que não faz parte do meu interesse em particular, assim como o que é feito e que chamam de moda na China e na Russia. Com a internet ficou fácil agora saber das semanas de moda do mundo todo, e isso é uma coisa que dá medo, a moda dos chamados BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China).

Momento Discovery: você sabia que somente 3% da população mundial tem o chamado bom gosto, 97% são pessoas de mau gosto? E desses 97%, quantas cafonas pensam que são chiques? Acredito que 96%, entendeu o problema? E um cafona apresentando para outro cafona que fala para outro usar, e todos se achando o máximo, é um filme de terror de segunda.

PPQO – O europeu conheceu a moda brasileira ou sabem de Gisele e Havaianas?

Ocimar – Eu nunca fiz essa pergunta a ninguém, e a maioria nem sabe que sou brasileiro. Vou te contar duas passagens. Na primeira eu estava fazendo o casting para minha primeira coleção de alta-costura, o qual tinha Carmem Kass, Jodie Kidd etc. Daí me liga um amigo da agência Marilyn, o Roberto, e me diz que tinha uma brasileira que era uma coisa de outro mundo que eu tinha de ver. E aí me liga o Rafael, da Elite, e diz a mesma coisa.

Eu já tinha fechado o casting, mas por curiosidade e respeito a meus amigos marcamos o casting. Chegaram Fernanda Tavares, da Marilyn, e Gisele, da Elite, Juntas e com a Shela, mãe de Fernanda, tomando conta das duas. Normalmente quem fazia o casting era o Jay Alexander, que era apaixonado por modelos e moda, e ensinava as modelos a desfilar. O Jay veio e falou que realmente valeria a pena. Quando vi as duas, senti que ali tínhamos duas grandes tops. E lógico que desfilaram

A outra: estava fazendo a prova dos vestidos da Rosana Camargo Botelho, casada com o Fernando Botelho, quando uma assistente da alta-costura me disse que o marido da cliente estava impaciente no salão. Como tínhamos alguns vestidos e as provas não costumam ser muito rápidas, eu fui até o salão em que se encontrava esse senhor.

Eu me apresentei e começamos a conversar. Ele me falou de sua paixão por avião, o que eu particularmente também adoro, ele disse que pilotava etc. Até que ele me fez uma pergunta: se eu tinha quem fizesse sapato para meus desfiles. Disse que sim e aí ele disse se eu achava Havaianas cafonas, se eu usaria.

Eu não tenho preconceito com nada e nem posso ter, perguntei por quê? E ele disse que as Havaianas fazia parte do grupo de empresas deles. Se eu quisesse, eles poderiam desenvolver algum modelo especial para mim. Foi, então, desenhado um modelo de sandália, mas ficou muito ruim. Junto eles enviaram uma quantidade enorme de sandálias, caixas e caixas.

Naquele dia, tinha marcado de almoçar com Babeth Djiant, da revista NUMERO. Mostrei as sandálias e ela disse que tava com vontade de descer do salto, e sugeriu de eu colocar as sandálias com os vestidos de noite, o que foi aprovadíssimo na hora. Ela, claro, ganhou de presente alguns pares, as Havaianas desfilaram com os vestidos de noite e etc.

Depois dei mais pares para as modelos e jornalistas, que acharam engraçado, e assim foi. Saiu em algumas revistas no início com crédito a Ocimar Versolato. O grupo não foi bobo e aproveitou a onda.

PPQO – Se pudesse escolher, quais peças escolheria para um homem e para uma mulher serem, de fato, sexy?

Ocimar – Para homem, acho que o smoking é muito sexy, mas tem de ser jovem para usar e ficar sexy – velho usando vira uniforme. Para a mulher, um vestido de noite pode ser muito sexy, mas é a mesma coisa, tem de ser jovem para ficar sexy, com a idade tem de ser elegante.

PPQO – Você anda mais calmo ou tem algo que ainda não disse sobre sua passagem pelo Brasil e por Paris?

Ocimar – Amo Paris, amo o Brasil, meus amigos são amigos até hoje, não perdi nada da intimidade e nem do carinho. Sou feliz, pois tenho bons amigos e de verdade, no mundo todo. Sempre que passo na vida das pessoas, e se elas foram corretas comigo, terão lembranças maravilhosas. As que aprontaram vão evitar falar meu nome, o que eu agradeço.

Sempre fui calmo, mas não paro um minuto. E isso não me dá tempo de cuidar da vida dos outros e nem de ficar me arrependendo. Gosto do novo, adoro ver uma exposição, um filme novo que me deixe saciado, imagens incríveis inusitadas. Até mesmo histórias boas e bem contadas. Gosto de ver as pessoas darem suas opiniões erradas – isso não me incomoda mais, gosto de ver a decadência – significa que algo novo pode estar vindo.

O importante é estar vivo e vivendo muito, porque viver vulgarmente, hipocritamente e mediocremente não me interessa, e isso não tem dinheiro que compre".

Boa viagem, amigo.

Sobre o autor

João Luiz Vieira, 47, é jornalista, roteirista, letrista e educador sexual, ou sexólogo, como preferir. Ele tem dois livros lançados como coordenador de texto: “Sexo com Todas as Letras” (e-galáxia, fora de catálogo) e “Kama Sutra Brasileiro” (Editora Planeta, 176 páginas). É sócio proprietário do site paupraqualquerobra.com.br e tem um canal no YouTube: sexo_sem_medo.

Sobre o blog

No blog dialogo sobre tudo o que nos interessa para sermos melhores humanos: amor e sexo. Vamos encurtar o caminho entre a dúvida e a certeza, e quanto mais sabermos sobre nós, teremos, evidentemente, mais recursos e controle a respeito do que fazer em situações inéditas ou arriscadas de nossa intimidade. Trocaremos todas as interrogações por travessões. Abra seu cabeça, seu coração e... deixa pra lá.

João Luiz Vieira