Topo

Histórico

Categorias

João Luiz Vieira

Pedofilia não é crime, mas o ato sexual com menor de 14 anos é

João Luiz Vieira

30/10/2017 04h00

Jeso Carneiro

Há um aspecto positivo neste movimento em que alguns setores da sociedade propõem um recuo às conquistas relativas ao livre arbítrio. Sabe-se que há um grupo de indivíduos que se dizem defensores da moral e dos bons costumes e vêm temperando as redes sociais com pólvora vencida, focando, principalmente, em artistas, os que, por ofício, provocam a ruptura nos dogmas, as chamadas doutrinas de caráter indiscutível.

O momento é interessante por dois motivos. Primeiramente, porque joga holofotes às sombras dos que se sentem inseguros em perder status quo, fãs, curtidas, compartilhamentos, pontuações ou dinheiro, ou seja, tudo o que é passageiro. Diante do barulho provocado pelos morteirinhos de jardim, há alguns freios de mão: exposição que é cancelada, e proibição da entrada de menores de 18 anos a mostras sobre sexualidade, mesmo com autorização dos pais/responsáveis. Há, portanto, adesão a essa proposta de extrema-direita, e isso é, sim, uma agenda política em andamento, com vistas ao pleito de 2018.

O fato mais relevante dessa nostalgia à Idade Média, porém, é que leva aos perplexos esclarecimentos dos que estudam alguns temas perseguidos por esses candidatos a semideuses. O tema mais recente é a "pedofilia" envolvendo o cantor e compositor Caetano Veloso, 75 anos, que, supostamente, transou pela primeira vez com a atual mulher, Paula Lavigne, 48, quando ela tinha 13 anos, ou seja, em 1982. Ele está sendo apontado como pedófilo, e ambos, muito apropriadamente, estão processando o Movimento Brasil Livre (MBL).

O "pequenino fascismo tupiniquim", como citado por Graciliano Ramos em "Memórias do Cárcere" (escrito nos anos 1930, durante a prisão do escritor na ditadura Getúlio Vargas, mas publicado postumamente, em setembro de 1953), está treinando com afinco para ganhar mais musculatura, mas contra fatos não há argumentos. Pedofilia não é crime, mesmo moralmente condenada. Repetindo: a pedofilia em si, não. O ato sexual com menor de idade, sim, é. A pedofilia é uma parafilia, padrão de comportamento em que a fonte predominante de prazer não se encontra precisamente na penetração, mas em alguma outra atividade.

Há mais de cem citadas ou estudadas, mas as mais conhecidas são sadismo, masoquismo, voyeurismo, exibicionismo, fetichismo, fetichismo travéstico e frotteurismo. Pedofilia é, por princípio, qualidade ou sentimento de quem é pedófilo, ou seja, designa a pessoa que apenas gosta de crianças. Envolve pensamentos e fantasias eróticas repetitivas ou atividade sexual com menores de 14 anos de idade, e está muito comumente associada a casos de incesto, ou seja, a maioria dos casos de pedofilia envolve pessoas da mesma família: pais/padrastos com os filhos e filhas, como também tios e até avós.

A Lei 12.015, publicada no dia 10 de agosto de 2009, ou seja, quando Paula Lavigne já tinha 40 anos, modificou o conteúdo do título do Código Penal, de 1940, dedicado aos crimes contra os costumes – agora crimes contra a dignidade sexual. Costumes esses vistos como regras sociais oriundas de uma prática reiterada de forma generalizada e prolongada, o que resulta numa convicção de obrigatoriedade, de acordo com cada sociedade e cultura específicas.

As modificações mais relevantes foram a alteração do tipo penal de estupro, inovando com a possibilidade de o homem figurar como sujeito passivo e abrangendo, na mesma figura, a conduta antes definida como crime de atentado violento ao pudor. Também a revogação da presunção de violência e, em contrapartida, o surgimento de tipos penais autônomos para vítimas agora tidas como vulneráveis, e o segredo de justiça para todos os crimes contra a dignidade sexual.

Mesmo assim, incesto e pedofilia ainda não são considerados crimes pelo Código Penal, e crime é todo fato típico, antijurídico e culpável, passível de punição. Não se pune, oficialmente, um sentimento ou um pensamento, mesmo que sejamos contrários a ele. A acusação pode, porém, incluir uma das tipificações citadas abaixo para criminalizar um pedófilo. A saber: o ato consiste em toques, carícias genitais e sexo oral, e a penetração é incomum. Eis os crimes sexuais citados a partir de 2009 são (com tempo de isolamento):

· Estupro, 6 a 10 anos de cadeia, com agravantes que aumentam a pena, como a morte, que deixa o vitimizador preso por 30 anos;
· Violência Sexual Mediante Fraude, 2 a 6 anos;
· Assédio Sexual, 1 a 2 anos, com pena aumentada em um terço se a vítima for menor de 18 anos;
· Corrupção de Menores, 2 a 5 anos;
· Satisfação de Lascívia Mediante Presença de Criança e Adolescente, 2 a 4 anos;
· Estupro de Vulnerável, 8 a 15 anos, com agravantes, como a morte, que deixam a pessoa na prisão por 30 anos. e, sim, muitos colegas indignados estão defendendo teses erradas a respeito. O Código Penal brasileiro, revisto do original dos anos 1940 somente em 2009, categoriza

Caso uma mãe acredite numa filha que tenha 13 anos e 11 meses, de que ela foi vitimizada por um maior de 18 anos, a tendência é que ela peça o encarceramento do acusado, que pode ser, como vimos, o professor da escolinha de natação, o vizinho, o irmão, o marido ou pai. Isso, claro, vale também para os meninos.

Não esqueçamos que crianças e adolescentes também fantasiam (a arte, logo ela, é vasta em exemplos escritos, fotografados, pintados e filmados) e, em certos casos, gostam de se vingar de alguém que jurou amor eterno e sumiu. Pedofilia, no entanto, prevê força, agressão e prejuízo além do testemunho.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), conjunto de normas do ordenamento jurídico brasileiro que tem como objetivo a proteção integral da criança e do adolescente, foi criado há 27 anos e também é explícito nesse sentido. Os crimes, tipificados, são "produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente".

Também "agenciar, facilitar, recrutar, coagir ou, de qualquer modo, intermediar a participação de criança ou adolescente em cenas acima referidas". Ainda "oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente".

Em síntese, não existe pedofilia na lei, mas a criança e o adolescente estão protegidos. Abaixo dos 14 anos o estupro é "presumido", porque menores dessa idade são considerados indivíduos vulneráveis. É um assunto muito controvertido, envolve aspectos históricos, morais e culturais, muito mais do que os legais. Como resolver? Com inteligência e bom senso. Quer saber mais? Vamos dialogar após assistir à leitura de minha peça, "Aula de Reforço", na 18ª Satyrianas, em São Paulo: 3 de novembro, da SP Escola de Teatro, 21h30. Aberta aos que são contra, a favor e, especialmente, para quem não está entendendo nada.

*Com a colaboração da advogada Fernanda Prado Sampaio Calhado, mãe de duas crianças.

Sobre o autor

João Luiz Vieira, 47, é jornalista, roteirista, letrista e educador sexual, ou sexólogo, como preferir. Ele tem dois livros lançados como coordenador de texto: “Sexo com Todas as Letras” (e-galáxia, fora de catálogo) e “Kama Sutra Brasileiro” (Editora Planeta, 176 páginas). É sócio proprietário do site paupraqualquerobra.com.br e tem um canal no YouTube: sexo_sem_medo.

Sobre o blog

No blog dialogo sobre tudo o que nos interessa para sermos melhores humanos: amor e sexo. Vamos encurtar o caminho entre a dúvida e a certeza, e quanto mais sabermos sobre nós, teremos, evidentemente, mais recursos e controle a respeito do que fazer em situações inéditas ou arriscadas de nossa intimidade. Trocaremos todas as interrogações por travessões. Abra seu cabeça, seu coração e... deixa pra lá.

João Luiz Vieira