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João Luiz Vieira

Sexo (ou a tentativa de marcar um encontro sem riscos) na era dos apps

João Luiz Vieira

09/10/2017 04h00

Zoe Foodiboo

Diálogo 1

-Você faz o que aqui?
-Não sei ainda.
-Aqui se busca sexo. Tá a fim?
-De sexo?
-Sim, claro.
-Provavelmente, mas acho que eu também quero um companheiro..
-Você quer amor num app de pegação?
-Não conseguirei, né?
-Cara, esse não é o lugar.

Diálogo 2

-Cara, vamos pirar? Tem um DJ tudo na picape hoje.
-Posso não ir?
-Por que cara?
-É que não tenho muito ânimo pra ficar até 5 da manhã esperando um DJ, sabe? Já tive, mas meu corpo não aguenta mais. Não tenho mais 20 anos.
-Pô, mas eu tenho tudo o que precisa nos bolsos.

Diálogo 3

-Você tem mais fotos?
-Tenho. Vou lhe enviar. Aqui mesmo pelo aplicativo?
-Mandou?
-Tava escolhendo. Espera.
-De onde?
-De SP.
-Tem mais fotos?
-Mas não tem fotos nuas, tudo bem?
-Libera? Liberei as minhas.
-Tá bem.

Diálogo 4

-Você fista?
-Não.

Diálogo 5

-Gosto de gente velha como tu. Você já usa Viagra? Tem carro e local próprio?
-Gente velha? Tenho 45. Acha velha?
-É a idade do meu pai. Posso lhe chamar de papaizinho? Seguinte: tô sem dinheiro, não recebi o vale. Já que você tá melhor que eu, paga essa, beleza?
-Tudo bem. Na próxima pode ser a sua?
-E tô sem grana pro Uber. Posso dormir na sua casa depois do meu uisquinho?

Diálogo 6

-Fiquei louca por você.
-Eu também.
-E agora?
-Tira a roupa, liga a câmera, quero sentir seu cheiro.
-Tá, mas pela câmera?
-Gozei.

Diálogo 7

-Oi, cara, do que você não gosta?
-Fígado acebolado.

Pausa dramática

A era dos aplicativos mudou a maneira como lidamos com nosso corpo e com a oferta de pênis e vaginas alheias. O Brasil, por exemplo, é o terceiro que reúne maior número de usuários do Tinder: 10 milhões. Até pode parecer que se quer amor, mas é sobremesa. O aperitivo é o que você tem à mão, à mostra, à frente.

Tudo tem um valor associado ou depreciado, somos mais exigidos e exigimos, temos de dizer o que queremos antes mesmo de sentirmos o contato químico entre as peles. Em outras palavras, estamos quase deixando o reino animal para se adequar à cibernética. Ganhamos tempo de deslocamento, planejamos melhor viagens e compramos tudo com dois ou três cliques, mas, também, indivíduos.

A vida é rio. Temos de seguir, independentemente da sinuosidade, dos obstáculos, das pedras que jogam em nosso corpo ou da violência do Estado, da Igreja, da Sociedade ou da Família que atingem o curso desse ir. Ser solteiro não é bom nem ruim, ser casado tampouco, embora em ambos os casos pode ser perigoso se a aposta for no desconhecido, no segundo ou no terceiro elemento da relação.

Como noticiado aqui, sobre estupradores que usam os aplicativos para agredir mulheres, não existe sentimentos perenes, nem o rio o é, e os precipícios são consequências do ir. Mas por onde anda o amor? Alguém sabe, alguém viu? Vamos ver onde isso tudo acaba e, a propósito, ops, a conexão caiu e, assim, perdi você. Mas tem alguém dizendo logo ali que sou gostoso. Vou nessa, valeu a atenção. Pode ser amor. Ou morte. Viver é risco.

Sobre o autor

João Luiz Vieira, 47, é jornalista, roteirista, letrista e educador sexual, ou sexólogo, como preferir. Ele tem dois livros lançados como coordenador de texto: “Sexo com Todas as Letras” (e-galáxia, fora de catálogo) e “Kama Sutra Brasileiro” (Editora Planeta, 176 páginas). É sócio proprietário do site paupraqualquerobra.com.br e tem um canal no YouTube: sexo_sem_medo.

Sobre o blog

No blog dialogo sobre tudo o que nos interessa para sermos melhores humanos: amor e sexo. Vamos encurtar o caminho entre a dúvida e a certeza, e quanto mais sabermos sobre nós, teremos, evidentemente, mais recursos e controle a respeito do que fazer em situações inéditas ou arriscadas de nossa intimidade. Trocaremos todas as interrogações por travessões. Abra seu cabeça, seu coração e... deixa pra lá.

João Luiz Vieira